sábado, 13 de março de 2010

UMA MÃE


Raphael Montechiari

            Ainda não era a hora do remédio. Faltavam quinze minutos. Mas lá estava ela em busca dos meninos para dar o remédio. O mais novo já estava dormindo e estava perfumadinho em seu berço. Era muito amor que ela tinha pelos filhos! Andou pela vizinhança perguntando pelos garotos e os achou em cima de uma goiabeira. O mais velho segurava o outro pelas pernas para não cair, pois já estava na pontinha de um galho para pegar uma linda goiaba.

            - Vocês estão ficando doidos? Desçam daí agora!

            A voz soava como uma linda melodia que os encantava e eles imediatamente paravam o que estavam fazendo para obedecê-la. Sempre tinha sido assim. Todos elogiavam seus filhos.

            - Como são obedientes! – dizia a vizinha do sobrado ao lado.

            Mas eles não sabiam que era a voz dela que os encantava. E não havia como alguém que tivesse nascido daquele ser amoroso não obedecer. Mesmo que para os outros soasse como ordem para eles era uma cantiga. Uma doce cantiga.

            - Vai cuidar do neném.

            - Já estou indo, mamãe.

            Era imediato.

            Mas com o tempo os ouvidos foram se entupindo para a voz. Não que ela não cuidasse e não lavasse um por um, com cotonetes e álcool. Assim como na época de piolhos, que ela os perseguia para a limpeza do couro cabeludo. Nessa época eles já não ouviam tão bem. Era preciso um pouco mais de energia.

            - Vai estudar para a prova que horas hoje?

            - Depois do futebol.

            - Nada disso. O futebol termina tarde e você não pode dormir de madrugada. Vai estudar antes e, se der tempo, assiste ao jogo.

            - Ah não.

            - Está dito e não tem o que discutir. E se não atender vai apanhar.

            A voz melodiosa agora chegava com um pouco mais de esforço e era preciso insistir um pouco para que fosse atendida. E foi só piorando com o tempo. Até que eles resolveram partir para a cidade grande. Foram estudar e não havia o que ela pudesse fazer. Ela sabia que era isso que seria melhor para eles e, mesmo que sofresse, seria o melhor. Ela sofreria mais se, no futuro, eles estivessem ao seu lado e não tivessem condições de se sustentar. Era melhor eles longe e realizados, felizes e saudáveis do que ao seu lado frustrados, tristes e passando necessidade. Então ela incentivou, ajudou e soube que mais nada poderia fazer. As palavras que haviam entrado quando eles ainda a ouviam já haviam sido suficiente para que eles vivessem da melhor maneira possível. E foi com essas palavras que eles tiveram força para enfrentar a vida que agora se apresentava a eles.

            Os mais sábios diziam que os anjos se alimentavam do amor dos humanos. E o amor daquela mulher para seus filhos era tão grande que agora, com eles longe, estava transbordando e anjos faziam fila para se alimentar. Em troca eles, depois de alimentados, cuidavam de seus filhos. Não havia sequer possibilidade de alguém, com má intenção, se aproximar daqueles jovens. Eles estavam sempre atentos e em cada esquina um se colocava para vigiar o caminho deles. O bandido que se preparava para assaltar um, certa vez, apanhou tanto, que resolveu tomar jeito na vida e começou a trabalhar. Em outra situação, um carro que vinha desgovernado em direção ao outro rapaz, simplesmente voou quando se aproximava dele e caiu a quilômetros dali. A vaga para a bolsa de estudos havia sido conseguida com méritos dos estudos do mais novo, mas o jornal com a notícia de que seriam abertas novas vagas, apareceu misteriosamente em sua mesa. Tudo alimentado pelo amor dela para com eles.

            - Sabe, anjo, não que isso faça diferença, mas apesar de eu amá-los tanto não parece ser recíproco.

            - E nunca será. As mães possuem uma glândula produtora desse sentimento que é vinte vezes maior que em qualquer outro humano. Elas têm isso exatamente para que eles possam ter uma chance maior de sobrevivência. A deles é muito menor. Mas ainda assim te alimenta.

            - Como assim me alimenta?

            - O nosso amor-próprio só nos dá dois por cento de sustento. Os outros noventa e oito por cento são nos dado por outros. Pelo seu marido, pelos seus filhos e por todos que te amam. A maior parte do amor que você produz é para o próximo. Então se você se sente forte não pense que é pelo amor seu que sobeja mais sim pelo amor que vem de outros. É por isso que sempre que eles a visitam você se sente reabastecida. Por mais que eles não pareçam te amar é deles que vem a força para você continuar. É amor que eles retribuem. E saiba que eu conheço alguns anjos que se alimentam do amor deles e cuidam de você também.

            - É?

            - Sim. É.

            Ela sorriu.

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