sábado, 20 de março de 2010

QUANDO SERÁ

Raphael Montechiari

Estive lendo a respeito dos motivos que levam as pessoas a enlouquecerem. Estava no trabalho lendo e passei a prestar atenção na minha vida. Vários desses fatores que levam as pessoas a surtarem são frequentes em minha vida. Será que estou a caminho de ficar louco? Será que a qualquer momento vou ser levado para um hospício? Pode ser que sim, pode ser que não, pode ser que talvez.

A qualquer momento eu posso começar a gritar e não parar mais. Como o Orlando Divino, aqui do escritório. Ele trabalha bem do meu lado e um dia, do nada, começou a gritar. Todo mundo se assustou e veio correndo ver o que havia acontecido. Eu quase morri do coração. Só que não foi um grito simples. O grito durava por muito tempo. Era um “aaaaaaaahh” até acabar o ar de seus pulmões. Em seguida ele respirava fundo e voltava a gritar. Eu tentei acalmá-lo e todos perguntavam o que havia acontecido. Em sua mesa alguns papéis que nada tinham de relevante. Somente documentos comuns, do dia-a-dia. Mas ele não parava e logo todo o setor estava em volta de sua mesa. Ele olhava arregalando os olhos para o nada e gritava. Sua sobrancelha ficava arquejada e o cavanhaque contornava a boca numa forma oval. Ele parecia não parar nunca. Até que chegaram os médicos e deram um tranquilizante para ele. Enquanto ele não desmaiou não parou de gritar. Ele ainda dá uns gritos, de vez em quando, mas não trabalha mais lá no escritório.

Os médicos disseram que o trabalho de Orlando Divino era estressante e que o chefe, o Senhor Morales Gouveia, havia o pressionado depois de uma baixa nas vendas, Ainda soubemos que sua mulher sumia durante o horário de trabalho dele e seus amigos já o haviam alertado que a viam, constantemente, num bar do centro, com um homem alto e careca. Ela negava e ele preferia acreditar nela. Pelo menos queria acreditar. Tudo isso fez Orlando Divino começar a gritar e não parar nunca mais.

Analisando a situação eu percebi que sou forte candidato a surtar. Faço o mesmo trabalho que ele, e o Senhor Morales Gouveia vive me pressionando, mesmo quando as vendas estão altas. Minha esposa não some às tardes, mas me diz diariamente que vai me largar por causa da bebida. Bebo muito nos fins-de-semana e fico mal humorado. Chego em casa xingando ela e dizendo umas verdades. Quando a gente bebe não há segredo que resista! Digo que ela está gorda e que o cabelo dela parece uma vassoura. Ela me responde que a culpa é do marido pobre que ela casou. Não tem dinheiro nem para pagar um cabeleireiro bom e nem uma academia. Ela tem até razão, mas eu também tenho. Além disso, estou cheio de dívidas e já ameaçaram nos colocar no olho da rua.

Acho que tenho mais problemas que o Orlando Divino e, então, tenho sérias chances de ficar louco.

A miga da minha mulher tem me provocado constantemente e o Carlitos Galvão sempre me diz para dar uns pegas nela. Ela é gostosa e muito safada. Dá de dez a zero na minha esposa. Acho que o Carlitos tem razão. Vou tirar uma tarde dessas para comer essa mulher. Será que assim eu fico com menos chances de ficar louco? Pode ser que sim, poder que não, pode ser que talvez.

Carlitos Galvão também já me falou para eu dar umas porradas na minha mulher. Disse que mulher feia é feita pra tomar porrada. E também já me disse para eu quebrar meu chefe, o senhor Morales Gouveia. Ele é autoritário e gosta de me humilhar na frente de todos. Me chama de incompetente diariamente e diz que eu não duro muito tempo na firma. Carlitos me disse que ele não só merece tomar muita porrada na cara mas merece morrer. Ter uma morte dolorida pra pagar tudo que ele faz a mim. E me disse que se eu não fizer isso vou ficar louco. A qualquer momento posso surtar e quebrar tudo. Ou ficar gritando “ ahhhhh” como o Orlando Divino. Ou talvez ficar vendo pessoas que não existem, como o meu tio Alécio Bitico. Ele conversava com uma mulher que só ele via e se apaixonou por ela. Ela mandou ele se jogar na frente de um caminhão pois só assim poderia tê-la para sempre. Várias vezes ele resistiu mas um dia ela conseguiu convencê-lo. Coitado do meu tio.

Eu não quero ficar louco. Mas estou vendo que não vou ter outro fim. Tudo indica que estou a dois passos de surtar. Será que tenho alguma chance? Pode ser que sim, pode ser que não, pode ser que talvez. Preciso me controlar. Tenho conversado muito com Carlitos Galvão sobre essas coisas. Ele é o faxineiro aqui do escritório. Mas é tão sábio que poderia ser o chefe. Sempre que vou ao banheiro ele está lá, limpando as privadas. Quando eu chego ele para tudo para conversarmos. Ficamos lá, por muito tempo conversando. E ele fala sobre tudo. Futebol, mulheres, filosofia, filmes. Principalmente filmes de morte. Ele adora me ensinar sobre como matar alguém. Mas ele nunca matou, só me ensina. Pensando bem, será que o Carlitos Galvão é uma alucinação? Será que já estou louco e conversando com um ser que é da minha imaginação, como o meu tio Alécio Bitico? Pode ser que sim, pode ser que não, pode ser que talvez. Preciso saber se mais alguém o conhece. Tenho falado sozinho ultimamente e pela minha cabeça passa um turbilhão de pensamentos. Uma hora tinha que dar problema. Carlitos. Vou ver com o Lúcio Mendes.

- Mendes, você conhece o Carlitos Galvão? O faxineiro?
- Claro. Quem não conhece o Carlitos Galvão?
- Ahn. Só pra saber.

Se o Lúcio o conhece então ele existe. Isso prova que ainda não estou louco. Mas sei que vou ficar. Estou com todos os sintomas. Acho que devo procurar um psicólogo. Se bem que o Lúcio Mendes já estudou psicologia. Às vezes converso com ele e me dá ótimos conselhos. Ele que me disse que a bebida era um remédio para essa vida chata. Eu não bebia nem vinho. Então saimos um dia do trabalho e tomei uma dose de conhaque. Minha vida se transformou! Tudo ficou melhor. Fiquei mais animado, falante e minha timidez foi para o espaço. Tá certo que um tempo depois passei a brigar com minha mulher, mas no início ela até ficava mais bonita e atraente. Agora eu vejo um monte de mulher gostosa na rua e chego em casa e me deparo com aquele dragão. Isso me revolta! Porque, com tanta mulher no mundo, eu escolhi logo aquela baranga? Aí me dá vontade de voltar e beber de novo, mas não tenho dinheiro. Agora, pensando aqui, quem sabe minha mulher também não é uma alucinação? Não. Me lembro do nosso casamento e da noite de núpcias muito bem. Naquela época ela era mais arrumadinha. Mas bem que podia ser imaginação minha. Se bem que se fosse imaginação, a amiga dela também seria e eu não teria uma gostosa daquela para me curar. Hoje mesmo vou procurá-la.

- Mendes.
- Que foi?
- Você conhece a Edinéia, minha esposa?
- Sim, claro. Quem não conhece aquela baranga? Hahahaha.
- É Ela é bem feia.

Ela existe e é baranga. Ainda não fiquei louco mas estou caminhando a passos largos para ficar.

- Agora, pensando mais um pouquinho aqui, e se o Lúcio Mendes for imaginação também? Ele pode estar dizendo que os outros existem, mas todos estão na minha cabeça e se juntam para provar suas existências. Mas a quem vou perguntar? E se todos forem da minha imaginação? E se eu estiver louco, em um hospício, imaginando tudo isso? Pode ser que sim, pode ser que não, pode ser que talvez. Acho melhor para de pensar nessa coisas e continuar vivendo minha vidinha. Porque se não estou louco, com certeza vou ficar.

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