sábado, 20 de fevereiro de 2010

EU EXISTO

Raphael Montechiari

E lá vou eu. Quem sabe pra onde? Quem sabe quando? Tenho a mesma dúvida de todas as pessoas no mundo. Não tenho a mínima idéia pra onde eu vou quando ele morrer. Fui criado pela sua mente e vou, sabe Deus para onde, quando ele se for.

Vou me apresentar:

Sou o Inácio Antão, amigo imaginário de Carlos Pontes, dono da Hospedaria Central. Ele me tem como amigo desde que surtou, na última páscoa. Tenho estado com ele, conversado e feito companhia durante todo esse tempo a esse grande miserável. Passei bons momentos com ele e outros não tão bons assim.
Geralmente apareço para aconselhá-lo e preciso repetir várias vezes o conselho para que ele o faça. Ninguém mais me vê ou me ouve. Só ele. Mas eu existo. Se estou aqui te falando tudo isso é porque existo. Como disse o outro: Penso, logo existo. E eu não só penso por mim, mas até pelo Carlos Pontes. Tanto que dou conselhos para ele.

Está certo que não tenho dado bons conselhos para ele, de acordo com a ética e moral da sociedade em que ele vive. Mas fui criado pela parte reprimida do cérebro de Carlos Pontes. Reprimida por essa mesma ética e moral da sociedade, criada para se ter uma suposta ordem. Mas tudo que falo e faço são coisas que a natureza humana quer fazer mas não pode, por causas das regras e leis criadas. Então não tenho culpa. Falo o que ele quer ouvir. Faço o que ele quer que eu faça.

O último conselho que dei foi pra ele assaltar a casa do senhor Elivelton Moreira, o magnata da cidade. Carlos estava com problemas financeiros e há muito tempo seu salário não dava para nada. E eu sabia que ele achava essa vida uma injustiça. Eu ensinei ao Carlos Pontes a fazer bombas caseiras, a usar bem uma faca para cortar sob os braços, na altura onde passa uma artéria importante. Ensinei também como não deixar pistas de um crime e como apagá-las. Mostrei pra ele alguns exemplos de pessoas que corrompem as leis e continuam numa boa. O próprio senhor Elivelton Moreira ficou rico desse jeito corrompendo várias delas. Falei da necessidade de irmos contra tudo e todos para seguir nosso instinto natural. Expliquei que primeiro temos que estar felizes conosco e depois transmitiremos essa felicidade a outros. Mas para alcançarmos essa felicidade é extremamente necessário sermos nós mesmos. Fazer aquilo que queremos. E o que ele mais queria naquele momento era ficar rico e poder se livrar do seu trabalho medíocre. Só precisei alertá-lo desse desejo oculto e reprimido. E lembrei para ele durante todos os dias da minha vida. Falava, falava e falava. Fiz até uma rima que eu repetia constantemente no seu ouvido: “Largue de bobeira e assalte o seu Moreira. Largue de bobeira e assalte o seu Moreira. Largue de bobeira e assalte o seu Moreira.”. Imagine isso no ouvido durante vários e vários dias? Então eu o convenci.

Compramos uma espingarda calibre doze, luvas e uma touca preta. Era preciso muita cautela para não ser identificado ao entrar na casa e as impressões não poderiam ser deixadas por onde passássemos. Coisas básicas que se aprende em qualquer filme. Entreguei o plano prontinho, só para ele executar. Não tinha falhas. Era perfeito. Mas o maldito covarde, no último momento, fraquejou e foi baleado pelos capangas do senhor Elivelton Moreira. E agora ele estava entre a vida e a morte. Na verdade, estava somente aguardando a morte.

O senhor Moreira, muito influente, e sem nenhum receio de ferir a ética e a moral, já havia mandado um dos seus para o hospital terminar o serviço inacabado. E é ele quem acaba de entrar no quarto, sem disfarce nem nada. Vai nos matar.

- Acorda, Carlos – gritei para ele desesperado.

Balancei sua cama e bati na sua cara. O capanga já tirava o frasco com o veneno do bolso, puxava todo ele para uma seringa e aplicava no tubo de soro. Eu nada podia fazer para evitar.

- Acorde, Carlos – gritei já mais fraco.

Agora o veneno já entrava em suas veias e eu podia senti-lo me queimando por dentro.

- Acorde, miserável – sussurrei, já sem forças.

- Acorde....

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